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Ramiro Batista

Política, Comunicação e Escrita Criativa

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Vinte visões de minha viagem à Cuba à míngua dos anos 90

26 de novembro de 2016 por Ramiro Batista 3 Comentários

Fotos Wikimedia Commons (Jialiang Gao) e a principal em http://www.anhelos-y-esperanzas.com/2012/11/marihuana.html
Só crianças parecem felizes em meio a palacetes decrépitos de famílias amontoadas e jovens sem esperança (Fotos Wikimedia Commons e a principal em http://www.anhelos-y-esperanzas.com/2012/11/marihuana.html)

A propósito da morte de Fidel de Castro, republico meu artigo de dezembro/2014, sobre minha viagem a Cuba em meados dos 90, na fase mais aguda de sua miséria:

Meu projeto era uma praia do Nordeste. Mas naqueles primeiros anos do Plano Real, com o dólar barato, a amiga me convenceu a optar por um dos resorts majestáticos da rede Meliá em Varadero, um dos paraísos de areias alvas, águas diáfanas e turistas endinheirados da costa cubana.

Quando nada, teríamos um upgrade cultural na Havana Velha, um tipo de museu a céu aberto do socialismo com seus palacetes decrépitos, seus bares do tempo de Hemingway e seus automóveis dos anos 50.

Eu não tinha as mesmas ilusões socialistas dela e me daria por bem passar uma semana entre piscinas aquecidas e mojitos sob toldos brancos esperando, como James Bond, que Úrsula Andress saísse do mar, em biquini branco.

Mas naqueles meados da década de 90, a Rússia tinha retirado a pensão anual de 5 bilhões de dólares que mantinha a boa vida do regime e as misérias de um país à míngua, com ilhas de riqueza para turistas, iam entrando pela minha janela:

1. O avião Tupolev russo tinha aeromoças de terninho marinho e serviço de bordo em porcelana e talheres inoxidáveis, como nos áureos tempos da Varig. Soube que eu estava nas mãos de pilotos que, tão bem remunerados como os médicos, ganhavam em peso o correspondente a 12 dólares mensais, fora casa e comida garantida pelo governo. O aeroporto, espremido, de divisórias de fórmica, me lembrou uma rodoviária do interior.

2. Porteiros, carregadores e camareiras ficavam eufóricos com gorjetas de 1 a 2 dólares, uma pequena fortuna perto de seus salários em pesos, correspondentes a 4 dólares mensais, fora casa e comida. (Parece absurdo, mas o salário brasileiro estava na faixa de 60 a 70 dólares, sem casa e comida.) Como os médicos que os brasileiros viriam a conhecer quase 20 anos depois, eles eram agenciados pelo governo aos empresários espanhóis.

3. Mesas de bares de praia ou de lanchonetes de beira de estrada pareciam cheias até que que chegávamos e todos se levantavam para abrir espaço para os turistas. Eram todos empregados dos estabelecimentos de propriedade do governo, sem atividade aparente.

4.  Pelas ruas de Havana Velha, somos abordados par e passo por cidadãos comuns oferecendo runs, charutos e cremes contra vitiligo. Surrupiados das fábricas, segundo conta um brasileiro vivendo por lá servindo de cobaia para medicamentos que lhe repuseram no prumo, depois de uma acidente.

5. Cada um vende o que pode retirar de casa. Uma velhinha pede 1 dólar por um exemplar do Granma, o tabloide de oito páginas, único jornal permitido. Livreiros improvisados passam por 1 a 2 dólares seus exemplares surrados de boa literatura, com destaque para Garcia Marquez. É comum que saibam falar tudo sobre cada livro que oferecem.

6. É comum ver motoristas em seus velhos bwicks ou oldsmobiles com livros debaixo do braço e não é incomum que tenham curso superior e pós-graduação. Um deles, com o A Gaia Ciência, de Nietzsche, no sovaco, enquanto aguarda turistas no banho de mar.

7. Meninas ao longo do Malécon, a amurada à beira mar que foi ponto de prostitutas antes da revolução, esperam, segundo ouvi, convites para um prato de comida nos tantos restaurantes caseiros abertos depois que o governo começou a permitir pequenos negócios, mediante uma taxa mensal de 40 dólares.

8. Além de rum, charuto e creme, oferecem também indicação de um Paladar, o nome que dão a esses restaurantes caseiros, retirado do que Regina Duarte mantinha na novela Vale Tudo, febre no país. (“Dime, dime la final de Bale Todo!, pede uma enfermeira.)

9. O Paladar a que fomos se resumia a uma única mesa redonda na sala, num dos tantos palacetes decrépitos onde se amontoavam várias famílias, de avós a netos, incluindo genros, noras e filhos dos filhos. Como não têm dinheiro para reforma e nem para comprar outro imóvel, também inexistente, vão se juntando e ficando mesmo depois de divórcio dos casais, muito facilitado na ilha.

>>> Ver/ler tudo do grande cubano Pedro Juan Gutierrez, autor Trilogia Suja de Havana. Aqui, meu artigo sobre o livro Animal Tropical, presente da amiga que viajou comigo.

10. Ficamos sabendo que utilizam parte da própria cota semanal destinada a cada família e retirada por caderneta nos armazéns populares (arroz, feijão, sal, açúcar, sete polpetas de soja e um lido de leite para famílias com filho até sete anos) nas refeições feitas para os turistas. Faltando mantimentos, quem tem pequenos negócios como esse podem comprá-los nas tiendas, a dólar e a preço internacional. É em torno dali que alguns cubanos com dólar de parentes de Miami pedem para o turista lhe comprar uma calça jeans.

11. Eu, a amiga e o amigo cobaia pagamos 40 dólares por uma comida saborosa, galega, de arroz e feijão misturados, pedaços de carne de porco cozida, salada de folhas com abacate.

12. Famintos de madrugada, descobrimos uma espécie de boteco, já fechado, de onde saiu por favor umas três pizzas de massa fina, meio torradas e engrunhadas de queijo, apenas. Como o proprietário só atende nativo e cobra em peso, não sabe como cobrar em dólar o que consumimos. Ofefecemos 5 dólares e ele disse que, por isso, poderia nos entregar mais 6.

13. Multidões aguardam por condução, na beira da rodovia, para o passeio de domingo. Passam ônibus escangalhados ou tratores puxando carroceiras atulhada de gente.

14. Coppelia, a sorveteria que serve de cenário ao mais famosos dos filmes cubanos, Morango & Chocolate, é das raras atrações de divertimento. Tinha à época não mais que meia dúzia da mais de centena de opções de sabor dos bons temos. Nativos fazem fila e turistas são encaminhados para um setor especial, como aqui se separam os fumantes.

 15. Como os palacetes e os carrões dos anos 50, o bar Bodeguita del Medio continuava como Hemingway e Nat King Cole o frequentaram 50 anos antes: móveis pesados de madeira escura, paredes forradas de fotos dos músicos que eram a atração do passado.

16. Também do mesmo jeito estão as belas farmácias antigas de balcões de vidros e paredes de pé direito alto, forradas de vitrines em madeira de lei. Mal têm estoque. Alguns potes, vidros de botija de alguma alquimia local e – não descobri por quê  – muito creme Nívea.

17. O Museu da Revolução, com a máquina de costura da primeira bandeira e dois bonecos de cera grotescos de Fidel e Che Guevara sobre uma maquete da Sierra Maestra, me pareceu meio ginasial. Simples como a escola infantil, de copos cortados de espécie de pets.

18. Trocamos as diárias de nossa cama box e banheiro de hidromassagem dos Taj Mahals dos espanhóis pelo privilégio de dormir no chão da casa da diretora de jornalismo da TV estatal, cargo correspondente aqui ao de diretor de jornalismo da Globo.

19. Só as crianças parecem felizes, calçadas daquela espécie de Conga antigo, correndo na rua ou na terra. Os jovens passam grande parte do domingo sentados no meio fio, olhando para o tempo. Não roubam, não assaltam, mas também não parecem dispostos a nada. Para o bem ou para o mal. O mato cresce em volta.

20. Para onde se olha se vêem cartazes e murais desafiando os Estados Unidos, num tipo de chamamento permanente à revolução. “Não os tememos!”

Parece que, por ignorância ou lavagem cerebral desse tipo de propaganda, se acomodaram ou se adaptaram a um tipo de vida simples, pobre e digna.

Vista de perto, parece uma interiorana, sem movimento. De longe, uma gente sem pressa sem saber muito o que fazer numa cidade que parece estar saindo de uma guerra.

Pode ser que o reatamento de relações com o capitalismo seja um certo arrependimento ou consciência do fracasso da experiência que viveram por 55 anos.  Sem muito cálculo das tantas mortes que ficaram pelo caminho para que ela fosse tentada.

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Sobre Ramiro Batista

Sou escritor e jornalista formado em Letras e Literatura, Comunicação e Marketing, experiente em escrever, editar, publicar, engajar e promover pessoas e ideias. Compartilho tudo o que sei sobre o uso de ferramentas de comunicação para conquistar e manter poder.

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Comentários

  1. Silas Velozo diz

    1 de dezembro de 2016 em 12:05

    Muito bom texto, Ramiro. Sem ideologizar o fracasso socialista no mundo todo, retrata parte do cotidiano pobre e sem perspectivas da grande maioria dos cubanos.

  2. Melão diz

    27 de novembro de 2016 em 14:36

    Fidel Castro realmente tem o mérito de tornar Cuba um país igualitário: todo mundo na merda,exceto,é claro,os filhos do poder.

  3. João Lucas diz

    22 de dezembro de 2014 em 05:08

    Antes isso do que ser o puteiro dos Estados Unidos.

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