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Ramiro Batista

Política, Comunicação e Escrita Criativa

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Sir Sherlock Herman tem que deduzir que o mordomo está fora

9 de junho de 2017 por Ramiro Batista Deixe um comentário

Sir Sherlock Herman tem que deduzir que mordomo está fora
Sir Sherlock Herman teve que afastar o lenço do nariz para contornar o cadáver, já putrefato (Foto Nelson Jr /TSE)

Quando chegamos à cozinha do Palácio, o corpo já estava putrefato.

Sir Sherlock Herman Benjamin contornou a bancada de mármore cheia de planilhas para se acercar do corpo coberto de sangue já escuro e ressecado pelo tempo. Afastou do nariz o lenço com que se protegia do cheiro nauseabundo.

— Tem jeito de campanha — disse, com seu talento dedutivo infalível.

— Sim — confirmei, também afastando o meu. — Por isso, o apelido dele, Campanha. Campanha Eleitoral.

Ele afastou com cuidado a cadeira presidencial quebrada que havia servido de arma para destroçar a cabeça do morto, uma plasta de sangue seco. Afastou de novo o lenço para emendar com o mesmo talento:

— Prenda a dona da casa. Foi ela.

— Sim — confirmei. — Já sabemos.




Ele me mediu dos pés à cabeça quando fazia para gastar mais do que o tempo necessário de entender minhas intenções. Olhou para os armários até o teto, os copos ainda sujos sobre a pia, e completou.

— Prenda também o mordomo.

— Também já sabemos que foi ele — devolvi, temendo sua reação. — Participação menor, mas também tem culpa.

Sir Herman voltou a me medir de baixo acima e caminhou pelo ambiente, a capa preta dando-lhe um ar estranho de coveiro a postos para preparar os funerais.

Foi até a bancada no centro, correu os dedos sobre as pilhas de papel quadriculado. Se interessou por umas marcações em vermelho. Afastou o lenço.

— Delações — deduziu.

— Sim — emendei. — Do Barão Odebrecht. — E antes que recebesse no peito aquele mesmo olhar inquisidor, contornei a bancada até o cadáver.

— Essas planilhas provam que tinha muito dinheiro em jogo — ouvi-o dizer.

Mas só apontei para o chão. Também afastei o lenço.

— Está vendo esse guardanapo debaixo da boca do defunto?

Ele caminhou de má vontade. Ficou maior com sua capa preta e seu jeito de coveiro esquálido quando chegou perto.

— É onde tudo começou — ele deduziu.

— Sim. — Afastei o lenço. — Recebeu dinheiro escondido e a madame sabia.

— E o mordomo — ele completou, sem me dar tempo de argumentar, e apontou para as planilhas, para fechar o raciocínio: — Começou a aqui, recebeu mais depois, o volume cresceu, foi preciso ter um controle mais sofisticado, a coisa se agravou, sabia demais, tiveram que matá-lo.

Agora, eu é o que medi da ponta da capa ao topete. Mais para tatear sua reação ao que eu precisava falar do que para contestar a autoridade que nunca neguei ao longo de nossa velha cumplicidade na descoberta de crimes insolúveis.

Voltei para onde eu estava, liberei corajosamente o nariz e cruzei os braços. Medi as palavras:

— É aí que eu precisava chegar. — Olhei para os papéis, olhei para o chão, olhei para o teto e para qualquer outro lugar que me desviasse dos olhos dele. — Nós temos que desconsiderar as provas sobre a bancada.

Só o ouvi se aproximando devagar, agora a voz um tanto ameaçadora e um tanto prejudicada pelo lenço sobre o nariz.

— Você está me dizendo que vocês já sabiam de tudo e que só…

Me afastei para evitar encará-lo. Falando:

— Sim, sim, me desculpe. Já sabíamos quem matou, porque matou, o quanto de dinheiro estava envolvido, tudo, tudo. — Parei para respirar, ainda de costas para ele. — Mas precisávamos eliminar algumas provas.

Senti suas duas mãos no meu ombro. Me virou para me encarar. Foi só o tempo de cobrir o nariz de novo:

— Você está querendo me dizer que você me trouxe aqui para corroborar a tese de vocês de que já sabiam de tudo e só queriam que eu coonestasse?

Respirei o mais fundo que pude, agora enfrentando os olhos dele. Só o lenço no nariz atrapalhando a conversa.

— Mais do que isso — gaguejei. — Nós queremos que o senhor salve o mordomo.




Ele espremeu todos os músculos da testa, como não estivesse reconhecendo o amigo de décadas. Fulminou com o jeito curto com que costuma fuzilar seus inimigos.

— Elabore.

Respirei fundo de novo.

— Nós precisamos que o senhor deduza só a partir do guardanapo debaixo da boca do defunto. Até ali, o mordomo pode alegar que estava de férias, e só colocaram o guardanapo para comprometê-lo.

Ele, ainda duro:

— Tem prova?

Gaguejei:

— Estava servindo champanhe no jatinho do amigo da madame.

Ele deixou enfim cair a mão que retinha meu ombro. Levou-a ao queixo para tentar uma síntese.

— Quer dizer que a madame e o mordomo arrebentaram com esse tal Campanha porque ele recebeu do Barão Odebrecht mais do que o combinado com eles e vocês querem que eu deduza que o mordomo não participou?

Balanço a cabeça. E só o tempo de afastar o lenço:

— Mais ou menos isso. Por favor.

Agora, ele é que respirou fundo. Voltou a caminhar, olhando para o chão, como que para pesar meus argumentos e se valia a pena arriscar nossos anos de companheirismo.

— Mas foi você que sempre disse que não podemos separar cúmplices… — divagou.

— Sim — deixei escapar, em suspenso.

Ao fim de um tempo longo o suficiente para ter avaliado todos os anos em que passamos juntos, soltou um suspiro vulcânico e se encaminhou para a porta. Só se virou na saída para soltar a sentença no seu jeito de encerrar conversas que não aprova.

— Me inclui fora dessa — resumiu.

Só reparei na bainha de sua capa esvoaçar no giro com que desapareceu pela porta de saída.



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Sobre Ramiro Batista

Sou escritor e jornalista formado em Letras e Literatura, Comunicação e Marketing, experiente em escrever, editar, publicar, engajar e promover pessoas e ideias. Compartilho tudo o que sei sobre o uso de ferramentas de comunicação para conquistar e manter poder.

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